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Ibama dá licença a explosão de pedral e retirada de areia em rio onde atuam milhares de pescadores

Órgão deu aval a etapa inicial de obras de hidrovia no rio Tocantins, em trecho de 300 km com comunidades que não foram consultadas; Dnit diz ter apresentado estudos
24-10-2022
Imprensa: 

Publicado na Folha de São Paulo em 19/10/2022 | Texto: Vinicius Sassine | Foto: Reprodução/ Relatório de Impacto Ambiental

presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Eduardo Fortunato Bim, concedeu licença inicial para a explosão de um pedral numa extensão de 35 quilômetros no rio Tocantins, no Pará, e para dragagem de bancos de areia no curso do rio. Conforme o projeto, esses bancos estão numa faixa de 177 quilômetros no curso d’água.

A licença prévia foi emitida por Bim no último dia 11. Todo o trecho envolvido tem 300 quilômetros, segundo o pedido de autorização.

O derrocamento no Pedral do Lourenço e a dragagem dos bancos de areia, para garantir a navegabilidade da hidrovia Tocantins-Araguaia nos períodos secos, vão impactar diretamente comunidades de pescadores que estão na região.

O próprio EIA/Rima (estudo e relatório de impacto ambiental) do empreendimento, que está a cargo do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), aponta a existência de 6.500 pescadores nos municípios impactados. O relatório afirma, porém, que esse número deve ser maior, de 12 mil, conforme informações das colônias de pescadores.

Pesquisadores que acompanham o provável impacto de obras do tipo na região estimam em 10 mil a quantidade de pescadores que vivem diretamente da atividade na região atingida.

Em junho de 2021, o MPF (Ministério Público Federal) em Marabá (PA), uma das cidades impactadas, recomendou que o Ibama suspendesse o licenciamento da hidrovia até que houvesse consulta das comunidades ribeirinhas.

Ribeirinhos da região do Pedral do Lourenço, em Itupiranga (PA), denunciaram a procuradores da República que não eram consultados e que o Ibama não os considerava como comunidades tradicionais. O mesmo quadro se manteve até a emissão da licença, segundo lideranças dessas comunidades.

Além disso, pareceres técnicos do próprio Ibama apontaram, em 2019 e em 2020, a necessidade de um diagnóstico das comunidades pesqueiras afetadas pelas obras antes da emissão da licença.

Folha questionou o Ibama se esses diagnósticos foram feitos e pediu cópias dos diagnósticos. Não houve resposta.

Em nota, o Dnit afirmou que a licença prévia é necessária para a aprovação dos projetos básicos de engenharia, já prontos, e para elaboração do projeto executivo.

"O Dnit apresentou todos os estudos solicitados conforme o termo de referência emitido pelo Ibama, destacadamente o EIA/Rima", disse. O órgão não respondeu se elaborou diagnóstico sobre pescadores, nem forneceu uma cópia.

A licença prévia é uma fase inicial do licenciamento, que atesta a viabilidade ambiental do empreendimento e antecede a licença de instalação. Foi, até agora, o principal passo do processo, que teve início em 2013, no primeiro governo Dilma Rousseff (PT).

Os relatórios de impacto ambiental foram apresentados pelo Dnit em 2018, último ano do governo Michel Temer (MDB), ocasião em que houve o pedido da licença prévia. A concessão da autorização ocorreu no último dia 11. O projeto é encampado pelo PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), do governo Jair Bolsonaro (PL).

A licença é a segunda para um empreendimento de grande impacto na Amazônia concedida pelo presidente do Ibama nos últimos meses, quando a disputa eleitoral ganhou corpo. No fim de julho, Bim emitiu licença prévia para pavimentação do trecho do meio da BR-319, que conecta Manaus (AM) a Porto Velho (RO).

O trecho tem 405,7 quilômetros e há risco de mais grilagem de terras públicas no curso da rodovia, conforme documentos do próprio processo de licenciamento.

Tanto a pavimentação da rodovia quanto a explosão de rochas e retirada de bancos de areia para a hidrovia têm forte apelo de empresas e moradores das duas regiões.

No caso da hidrovia, a perspectiva é de ampliação de transporte de grãos e minérios pelo rio Tocantins até portos para escoamento. Pelo projeto, será possível a navegação de comboios formados por nove barcaças, coladas umas às outras de três em três. O comprimento é de 200 m, e a largura, 32 m.

O documento da licença prévia estabelece condições necessárias para a emissão de licença de instalação, a etapa seguinte, como o desenvolvimento de projeto de pesca durante a explosão do pedral.

O Dnit precisa "identificar a produção, o rendimento mensal e anual e o número de pessoas relacionadas à atividade pesqueira para todas as áreas diretamente afetadas pelo empreendimento antes de qualquer intervenção".

Além disso, é preciso "estimar o consumo e a dependência do pescado na segurança alimentar das famílias dos pescadores". Durante as obras de dragagem e derrocamento, é preciso garantir a renda dos pescadores, segundo a licença prévia.

O Pedral do Lourenço é importante para a reprodução de peixes, destaca Cristiane Vieira da Cunha, professora da Unifesspa (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará). Ela atua como pesquisadora na região, junto a comunidades que devem ser impactadas pelas obras.

Até agora, 19 comunidades estão mobilizadas em relação ao empreendimento, segundo Cunha.

"A concessão da licença pelo Ibama foi uma surpresa. O Ibama já tinha dito que a licença só seria concedida se o diagnóstico da atividade pesqueira fosse feito, e isso não foi feito", disse a pesquisadora.

A professora vai acionar o MPF para que a licença prévia seja contestada. Ela afirmou que os relatórios de impacto ambiental omitem e fazem "falsa descrição de informações relevantes".

"O EIA/Rima tem falhas. O Dnit não fez monitoramento sobre pescadores", disse Cunha.

Também no Pará, no rio Xingu, um empreendimento de grande porte deixou milhares de pescadores sem peixe: a usina hidrelétrica de Belo Monte.

Para a renovação da licença de operação –a usina funciona desde 2016–, o Ibama afirmou que a Norte Energia, empresa responsável pelo empreendimento, precisa ressarcir famílias de pescadores em razão das falhas da empresa em medidas de mitigação.

O ressarcimento deve se referir a um período de dois anos e dois meses e contemplar inicialmente 785 famílias. Outras famílias precisam ser identificadas. O MPF calcula que mais de 4.000 pescadores foram impactados pela usina.

A Norte Energia divergiu do Ibama e propôs uma ajuda anual em dinheiro, por três anos, para projetos de geração de renda.

 

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