Assessoria de Comunicação do MPP
Na última segunda-feira (15), pescadores e pescadoras artesanais de vários estados brasileiros se reuniram virtualmente para debater sobre a importância da Lei 15.223/2018 do Rio Grande do Sul, que institui a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável da Pesca no estado e cria o Fundo Estadual da Pesca. A roda de diálogo “Proteger para Pescar Sempre” foi organizada pelo Fórum da Lagoa dos Patos, Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) e pelo Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP).
Diante de uma forte movimentação do setor da pesca industrial que derrubou por meio de liminar do STF alguns artigos da lei, entre eles o Artigo Nº 30, que proíbe a pesca de arrasto em toda a área próxima do litoral gaúcho, o encontro teve como objetivo instigar a discussão em nível nacional sobre os caminhos de resistência e os significados da luta dos pescadores artesanais em defesa da Lei da Pesca do Rio Grande do Sul, assim como a necessidade dessa legislação para a garantia dos estoques pesqueiros na vida das comunidades tradicionais pesqueiras.
A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FURG) e integrante do Fórum da Lagoa dos Patos, Liandra Caldasso, relembra que a Lei 15.223/2018, conhecida como a Lei da Pesca do Rio Grande do Sul, foi fruto de uma grande articulação entre o setor pesqueiro, movimentos sociais, pesquisadores, organizações e parlamentares. “A lei é totalmente legítima porque teve a participação de muitos pescadores e muitas pescadoras”, afirma.
Ela explica que a liminar concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cássio Marques Nunes, em dezembro do ano passado, se baseou em um projeto chamado REBYC II – LAC, uma sigla em inglês que representa o termo “Programa de Redução de Capturas Acidentais pelo Arrasto”. Projeto que vem sendo implementado no litoral brasileiro por meio da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento por meio da SAP, mas que não foi testado na costa do Rio Grande do Sul.
Utilizado como argumento para a liberação do arrasto, o REBYC é defendido como uma tecnologia que promove a prática de maneira sustentável. Para Liandra, é um argumento “muito frágil” em termos de proteção ambiental e sustentabilidade uma vez que não se tem resultados do Rebyc para o Rio Grande do Sul. “Existe arrasto sustentável? No Brasil, não existe. Não temos políticas públicas de longo prazo e recursos para sua execução. Qual a possibilidade de ter fiscalização da prática de arrasto? Para o Brasil, nenhuma.”
A análise do advogado e também professor da FURG, José Ricardo Costa, vai na mesma linha. Ele compara os impactos negativos das monoculturas do agronegócio para a segurança alimentar do país com os impactos da pesca de arrasto. “Assim como estamos vendo no agronegócio uma grande produção de grãos e um monte de gente passando fome, é o que a gente vê por aqui. Os grandes arrastos não são fiscalizados”, acrescenta.
Ele classifica a Lei da Pesca do Rio Grande do Sul como uma questão de “proteção do meio ambiente e da vida de pescadores e pescadoras”. Segundo José Ricardo Costa, os estoques pesqueiros da região gaúcha já vêm demonstrando melhorias após a implementação da Lei.“É tudo muito pequeno, mas que dá para ter uma dimensão grandiosa para dizermos não ao arrasto porque não é sustentável.”
O aumento dos estoques pesqueiros foi enfatizado no relato da pescadora e presidenta da Associação de Pescadores de Guaíba e dos fóruns do Delta do Jacuí e do Norte da Lagoa dos Patos, Noemi Brum. “Eu pegava de 20 a 30 quilos de peixe por dia. Hoje, eu deixo minha rede na água e pego de 60 a 70 quilos. São espécies que voltaram”. Para ela, o enfraquecimento da Lei pode significar o fim da pesca artesanal. “O descarte deles é o nosso sustento!”, afirma.
Para o pescador e integrante do Fórum da Lagoa dos Patos e do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), Nilmar Conceição, a transformação também é evidente. “Eu sou pescador desde os meus 10 anos e já não existiam algumas pescarias. Desde que a lei foi implementada, estamos encontrando espécies que não apareciam há 10 e 20 anos.”
Os debates a cerca das ameaças à Lei 15.223/2018 do Rio Grande do Sul continuaram acontecendo entre os movimentos e organizações envolvidas de modo a divulgar nacionalmente a importância de legislações que proíbam práticas predatórias e a pressionar o STF sobre a liberação da pesca de arrasto no litoral gaúcho, decidida no final do ano passado.