No dia 5 de novembro de 2015, diversas comunidades pesqueiras foram atingidas diretamente com a chegada de 43,8 milhões de metros cúbicos de lama tóxica oriunda da Barragem de Fundão de propriedade das mineradoras Samarco/Vale/BHP, matando 19 pessoas e desterritorializando centenas de famílias em Minas Gerais e no Espirito Santo, alterando os modos de vida de pescadores e pescadoras artesanais, povos indígenas, quilombolas, camponeses, sem terra, lavadeiras, provocando um impacto social, ambiental, econômico e de saúde na vida dessas pessoas . Passados 5 anos do crime cometido pelas mineradoras, o caso segue sem punição e as comunidades continuam com seus direitos violados e sem uma justa reparação.
A lama de rejeito de minério correu rio abaixo, contaminando o rio e seus afluentes, os manguezais e o mar. O impacto provocado no meio ambiente, nos territórios e na vida de 700 mil pessoas deixa nítido o caráter da exploração capitalista da mineração no Brasil e sua política de sacrificar territórios inteiros em nome da maximização do lucro. Somente entre os anos 2016 e 2018 a Vale e BHP lucraram aproximadamente 162 bilhões de dólares, sendo consideradas as duas maiores mineradoras do mundo, enquanto as famílias tiveram na sua renda média uma queda de 59%, segundo dados do Imposto de Renda de Pessoa Física/IRPF.
Os crimes cometidos pelas mineradoras são de diferentes ordens, dentre elas podemos destacar o descaso das mineradoras com o cumprimento da legislação ambiental, que agem de forma intensiva para alterar a legislação ambiental e apostam no desmonte dos órgãos ambientais.
Após 5 anos, as reivindicações e luta dos pescadores continuam válidas uma vez que as mineradoras continuam provocando violações contínuas nos territórios, usando de mecanismos que promovem a criminalização permanente das comunidades pesqueiras quando cria procedimentos burocráticos que visam impedir e/ou dificultar o acesso dos pescadores e pescadoras aos programas e projetos que visam a reparação ao crime.
Destacamos ainda o papel nefasto da Fundação Renova na coordenação dos programas definidos pelo Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) e no desenvolvimento dos programas. As violações são constantes, como por exemplo, o Programa Pescador de Fato, que nega o princípio da autodeclaração e estabelece uma sabatina com testemunhas para que seja auferido se a pessoa é ou não pescadora. Esse processo é violento, pois não reconhece as especificidades das comunidades pesqueiras e não considera o princípio da autodeclaração da identidade pesqueira. Além do constrangimento, esse processo contribui diretamente para a perda de direitos, sem considerar qualquer matriz de dano que as comunidades tenha construído.
As comunidades pesqueiras de Minas Gerais e do Espírito Santo sofrem até hoje com os impactos da maior tragédia ambiental do Brasil, pois seus modos de vida foram bruscamente alterados, tiveram a pesca comprometida devido a grande concentração de metais pesados como níquel, cobre, chumbo, cromo, ferro, alumínio, manganês e zinco no leito do rio e na área costeira e marinha. Os pescadores e pescadoras têm relatado a diminuição de peixes nativos, ao mesmo tempo em que identificam a presença de espécies exóticas ou deformadas. Nesse sentido, as comunidades têm demandado a realização de pesquisas autônomas que informem as condições de qualidade da água e do pescado, mas as empresas têm postergado essas reivindicações.
São aproximadamente 50 cidades atingidas diretamente. Desse montante, aproximadamente 20 mil pessoas que recebem o auxílio financeiro emergencial. Atualmente as comunidades contam apenas com 03 assessorias técnicas operando, sendo que o necessário seriam 23 equipes. A implementação das assessorias técnicas é um debate central para as comunidades, pois o processo de escolha é feito de forma direta pelos pescadores e pescadoras atingidas, garantindo assim e de fato a real participação dos atingidos para uma reparação justa, além de possibilitar a realização dos programas e ações previstas.
Esses 5 anos de crime da SAMARCO/VALE/BHP, na bacia do Rio Doce, são marcados pela forte fragmentação das comunidades, promovida pelas mineradores e Fundação Renova com o objetivo de fragilizar os processos e lutas coletivas das comunidades pela efetivação dos seus direitos. As empresas e a fundação atuam para desmobilizar as comunidades impactadas e incentivam a individualização do conflito.
Mesmo diante de um quadro intenso de violação dos direitos humanos de pescadores e pescadoras artesanais, ressaltamos a importância de intensificar os processos formativos e de mobilização para incidir em projetos de lei de âmbito estadual e nacional que reconheça os direitos dos atingidos e os deveres das empresas violadoras responsáveis pelo crime. Mais do que nunca, é necessário a organização para não abrir mão de direitos e intensificar as lutas por territórios livres da mineração.