O observatório também funciona como plataforma política de reivindicações e de formação
Assessoria de Comunicação do CPP
Uma iniciativa que reúne pescadores e pescadoras artesanais, pesquisadores e ativistas de quase todas as regiões do Brasil têm tentado monitorar e coletar dados do avanço do Coronavírus nas comunidades pesqueiras desde o mês de março. O “Grupo Observatório dos Impactos do Coronavírus nas Comunidades Pesqueiras” têm coletado informações enviadas pelos próprios pescadores artesanais, que repassam de maneira remota, através de grupos de Whatsapp, ou através do preenchimento de um formulário online, os dados de como a epidemia tem avançado por suas comunidades e como os tem impactado. Os informes são agrupados e divulgados diariamente ao fim do dia no Boletim Diário, mas também servem de base para o boletim epidemiológico das comunidades pesqueiras, que é divulgado semanalmente.
Além de informações sobre números de infectados, que são separados em casos suspeitos, comprovados e de óbitos nas comunidades pesqueiras, os pescadores divulgam as políticas públicas que têm sido empregadas nas comunidades para conter a propagação do vírus e as medidas tomadas por iniciativa dos próprios pescadores e pescadoras artesanais no combate à pandemia. As principais reivindicações que têm sido feitas nos municípios, estados e nacionalmente também são compartilhadas nesse grande fórum de debates sobre o enfrentamento ao Coronavírus, de forma que as medidas de sucesso possam ser replicadas em outras comunidades.
A ideia de criação do Observatório partiu do médico e professor da UFBA, Paulo Pena, em diálogo com as lideranças de movimentos pesqueiros e em contato com membros do Conselho Pastoral dos Pescadores. “Já tínhamos a percepção de que a epidemia iria se agravar no Brasil e iria atingir principalmente as populações mais carentes. Pensamos que deveríamos então criar uma ferramenta para monitorar os impactos e assim criar um espaço para divulgar e para acompanhar a evolução da epidemia nas comunidades dos pescadores”, explica Pena.
Outra motivação para o monitoramento surgiu de uma triste constatação. “Esse monitoramento dificilmente será feito pelas instituições públicas”, critica o professor. Um exemplo desse descaso dos órgãos públicos em relação às comunidades pesqueiras pôde ser percebido num episódio recente de crime ambiental: o do derramamento de óleo nas praias do litoral brasileiro, principalmente no nordeste. Até hoje não se conseguiu dimensionar de maneira precisa os verdadeiros impactos causados aos pescadores e pescadoras artesanais. “Se não acontecer esse monitoramento feito pelo observatório, haverá uma invisibilidade, como aconteceu a invisibilidade da questão do óleo”, avalia o professor.
A opinião é compartilhada pelo pescador e membro da CONFREM (Comissão Nacional pelo Fortalecimento das Resex Costeiras Marinhas), Carlos Alberto Pinto dos Santos. “Essa pandemia, ela não vem sozinha para nós das comunidades pesqueiras, ela vem associada já, a um processo histórico de exclusão, perseguição e ausência de políticas públicas nas nossas comunidades. A gente vem de recentemente sofrer com o derramamento de petróleo que assolou o nordeste e parte do norte e alguma área do sudeste do Brasil. E os efeitos do derramamento de petróleo, eles não se dissiparam ainda. Não só na questão da comercialização, mas também na questão da saúde”, aponta o pescador.
Ele acredita que o Observatório é uma importante ferramenta para mobilização e enfrentamento dessa situação. “Na nossa percepção, a grande importância do Observatório é colher informações das comunidades pesqueiras diante uma situação de catástrofe como essa. Nosso povo provavelmente irá sofrer muito com essa situação, mas nós dos movimentos estamos nos mobilizando e o observatório é uma grande ferramenta para que a gente dê visibilidade e exija dos entes governamentais as providências devidas para nos atender”, finaliza.
Resultados
O número de participantes do Observatório tem crescido desde então. Só o grupo de Whatssapp tem 178 integrantes. Por isso, equilibrar a quantidade de pesquisadores e pescadores e pescadoras artesanais é uma preocupação para que o Observatório não perca o caráter participativo das comunidades pesqueiras. “Há a preocupação de manter um número proporcional para que sempre sejam colocados os interesses dos pescadores artesanais”, explica Pena.
Toda essa mobilização já mostra resultados políticos. Por iniciativa do Observatório, foi feito um documento que aponta todas as dificuldades que os pescadores e pescadoras artesanais têm enfrentado nos últimos anos e junto com ele há uma lista de reivindicações que foram endereçadas ao Ministério Publico, à Defensoria Pública da União, ao Consórcio do Nordeste e ao Congresso Nacional, o que ocasionou na inclusão dos pescadores e pescadoras artesanais como beneficiários do PL 873/2020, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), atual Lei 13.982/2020, que trata da ampliação do Auxílio Emergencial dado pelo governo.
Além do monitoramento, o grupo serve também para formar e tirar dúvidas dos pescadores e pescadoras artesanais. Vários produtos foram criados para cumprir com esses objetivos, como o programa “Pergunta de lá que a gente responde de cá”, feito a partir de perguntas enviadas pelos pescadores, via áudios de Whatsapp, com perguntas que são respondidas por especialistas da área da saúde e que são transformadas em áudios compartilhados pela mesma rede social, para esclarecer dúvidas. Os áudios também são disponibilizados na plataforma de podcast, Soundcloud. Uma cartilha com esclarecimentos também já foi produzida e divulgada pelo grupo, esclarecendo inclusive como realizar a pesca artesanal nesses tempos de pandemia. Todos os produtos estão disponibilizados no blog do Observatório que serve como um repositório dessas iniciativas.
Recentemente, o Observatório foi uma das primeiras experiências da América do Sul listadas pela FAO (Organização das Nações Unidas para Comida e Agricultura), no informe que tem o objetivo de divulgar informações e compartilhar experiências de exemplos de iniciativas de apoio à pesca em pequena escala durante a crise de Covid-19.
“Esse grupo é especial porque a gente ver todos interagirem. Tem vários atores: tem os pescadores do MPP, tem os pescadores da Confrem, tem gente das universidades e é bem interagido mesmo. É um grupo que a gente fica mais otimista, todo mundo junto trazendo os informes e procurando soluções. É dentro desse grupo que a gente está fazendo várias tarefas e buscando o melhor para conviver esses dias com essa pandemia que está aí no mundo”, comemora a pescadora e Secretária-executiva do MPP Nacional, Martilene Rodrigues.
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