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Decisão judicial assegura tradicionalidade das comunidades caiçaras que tiveram as suas casas derrubadas pela Fundação Florestal

22-07-2019
Fonte: 

Assessoria de Comunicação do CPP

Em caráter liminar, no dia 12 de julho, a justiça deu decisão favorável para Edmilson de Lima Prado e sua esposa Karina, da família tradicional caiçara moradora do Rio Verde e Grajaúna, Edmilson de Lima Prado e sua esposa Karina em frente à casa que restouno Vale do Ribeira (SP). Na decisão, o juiz da 1ª Vara Judicial da Comarca de Iguape, Guilherme Henrique Martins, defere que a Fundação Florestal e o estado de São Paulo “se abstenham de executar ordem administrativa de demolição da casa e de desocupação dos autores”, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 e de responsabilização por crime de desobediência em caso de descumprimento. 

A decisão responde a um pedido da comunidade que já havia tido duas casas derrubadas pela Fundação Florestal do estado de São Paulo, no dia 4 de julho. A casa de Edmilson e de sua esposa Karina seria a terceira casa a ser derrubada, não fosse o fato de Karina estar grávida, o que levou a polícia ambiental a intervir e impedir que fosse cumprida a ordem administrativa. A ação da Fundação Florestal do estado de São Paulo foi bastante noticiada e criticada, isso porque as famílias que moram numa área de Estação Ecológica estavam num processo de negociação com o Estado, através do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública Estadual de São Paulo, para manterem as casas construídas. “Estamos preocupados com a truculência do Estado que não quer respeitar os acordos e diálogos”, reflete a liderança caiçara, Adriana Lima.  As duas famílias que tiveram as casas derrubadas estão hoje abrigadas na única casa que restou.

Há cerca de um ano os moradores pedem autorização da Secretaria de Meio Ambiente do estado de São Paulo para a construção das casas na área. Como houve o primeiro pedido há mais de dois anos com resposta negativa e o segundo pedido já estava há quase um ano sem resposta, a comunidade tomou a iniciativa de construir as casas em taperas, locais de uso ancestral, que já tinham sido moradia dos pais, avós e bisavós dos moradores. “O MPF havia pedido para a Fundação Florestal não tomar nenhuma medida, assim como a comunidade, porque estavam em processo de negociação de como resolver a questão. No entanto, o Procurador do Estado autorizou a medida administrativa de autotutela e por isso não esperaram nenhum acordo”, explica Lima. Ela acredita que a atitude do estado se deve ao recente fortalecimento da comunidade. “Essa foi uma reação do Estado porque estamos nos mostrando e propondo a governança comunitária. Esse é o momento em que estamos mais fortes enquanto comunidade”, reflete Lima, fazendo referência à colaboração da Defensoria Pública do Estado e da recente aproximação do Ministério Público Federal no caso, além de  diversos parceiros de diferentes instituições.  

Entendendo o caso

Comunidade preparando o peixe no fumeiroAs casas ficam dentro de uma área de Estação Ecológica, que é um tipo de Unidade de Conservação que está na categoria de proteção integral e por isso dentro dela é proibido o consumo, coleta ou dano a recursos, sendo uma das categorias mais rígidas na modalidade de conservação. Criada em 1986, a Estação Ecológica da Juréia-Itatins, localizada entre os municípios de Iguape, Peruíbe, Itariri e Miracatu, no litoral sul de São Paulo, foi instituída ignorando a existência das comunidades tradicionais da área. Antes da criação da estação, havia 365 famílias caiçaras, divididas em 22 núcleos, que já moravam por lá.  “O Estado foi tirando as escolas e as estradas e tirando aos poucos a possibilidade de vida digna na região”, explica Lima.

Entre os anos de 2006 a 2014, os Caiçaras conseguiram fazer com que duas das comunidades na Estação Ecológica virassem Reservas de Desenvolvimento Sustentável, que é um modelo que permite a existência da área natural em convívio com populações tradicionais, que fazem o uso sustentável dos recursos naturais. 

As comunidades mais isoladas foram extintas completamente, mas parte da população conseguiu resistir. Desde 2011 pesquisadores da UNICAMP começaram a fazer laudos antropológicos assegurando a tradicionalidade da comunidade. Há dois anos os Caiçaras começaram a construir, de maneira coletiva, um plano de uso tradicional do território. No plano, além de determinar os lugares e a maneira como será feita a produção de alimentos e a pescaria nos locais, é previsto também o retorno para a área, das famílias expulsas desde a década de 80.  “Queremos desconstruir o discurso de que a comunidade é criminosa ou invasora. É a comunidade que cuida do local quando chega gente de fora querendo destruir a vegetação nativa ou as cachoeiras”, defende Lima. 

O esforço da comunidade em ter a sua tradicionalidade reconhecida obteve a primeira vitória com a recente decisão dada em caráter liminar, no último dia 12 de julho. Na decisão, o juiz impede que a Fundação Florestal e o estado de São Paulo executem autotutela administrativa para demolir a casa caiçara e despejar a família tradicional e, como requerimento final e de mérito, decide que se reconheça a tradicionalidade caiçara e o direito à concessão de uso para fins de moradia tradicional na Comunidade do Rio Verde, onde vivem.  

O resultado foi comemorado e em carta divulgada pela comunidade, no dia 12, após decisão judicial, eles afirmam que as famílias permanecem mobilizadas e que se sentem fortalecidas para conquistar justiça para todos. “Após 30 anos de luta pelo território tradicional caiçara na Jureia, cujo resultado perverso significou a expulsão integral ou parcial de diversas comunidades na região, esta decisão judicial pioneira reconhece a violência histórica e o racismo ambiental cometidos em nome da preservação da natureza intocada. As famílias caiçaras da Comunidade do Rio Verde permanecem mobilizadas e juntas às outras comunidades tradicionais, que também vivenciam há tempos diversas formas de violência no território onde vivem, e sentem-se fortalecidas para continuar unidas na busca de  um horizonte de  justiça para todas”, afirma o documento.

“Estamos aqui na comunidade desde o dia 04 de julho ao redor da única casa que restou! Quilombolas, Guaranis m'bya, caiçaras de várias comunidades, solidários e monitorando possível recurso do governo no TJSP! Mesmo a Liminar inicial sendo histórica, há uma insegurança jurídica e continuaremos debatendo nesse espaço o direito dos povos e comunidades tradicionais e justiça para todos. Queremos o direito à moradia e reparação aos danos causados às demais famílias. A luta continua!”, finaliza Adriana Lima.

 

Confira logo abaixo a decisão liminar em favor dos Caiçaras do Vale do Ribeira!

 

Linha de ação: 

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