Notas, cartas e manifestos

CPP assina carta com 168 organizações denunciando a exclusão de comunidades pesqueiras no PEM

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Documento entregue na COP30 reúne assinaturas de 168 organizações e denuncia que o Planejamento Espacial Marinho avança sem participação efetiva das comunidades pesqueiras, ameaçando direitos territoriais e modos de vida, enquanto é apresentado ao mundo como uma falsa solução climática

 

Belém (PA) — Durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), povos do mar e das águas do Brasil e do mundo denunciam o avanço de megaprojetos e falsas soluções climáticas que ameaçam seus modos de vida. Em resposta, movimentos sociais lançam a Carta Aberta dos Povos do Mar e das Águas à Sociedade Brasileira e à COP30, assinada por 168 organizações, incluindo o Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) e a campanha Mar de Luta, exigindo participação efetiva, reconhecimento e respeito territorial. As organizações afirmam que o Planejamento Espacial Marinho (PEM), pilar da chamada Economia Azul, vem sendo implementado sem participação efetiva das comunidades pesqueiras, reduzindo consultas a rituais simbólicos.

O PEM, que deveria ser inclusivo, corre o risco de se tornar uma ferramenta de exclusão e uma ameaça aos nossos modos de vida, à nossa cultura e à biodiversidade da qual dependemos. A chamada economia azul dá uma roupagem nova a algo antigo que conhecemos bem: a exploração e a destruição dos nossos territórios e maretórios”, afirma Carlos Alberto Pinto dos Santos, da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos e Comunidades Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (CONFREM).

Uma mobilização global pela justiça climática

O problema não é apenas brasileiro. O Fórum Mundial dos Povos Pescadores (WFFP), que reúne comunidades de 70 países, incluindo o Brasil, denuncia o avanço de áreas marinhas excludentes, o mercado de carbono e megaprojetos energéticos que expulsam comunidades dos processos de decisão.

“Nossos povos não causaram a crise climática. Somos nós que alimentamos milhões, e ainda assim enfrentamos fome, exclusão e violência. Nossa luta não é só por peixes — é pela vida”, declara Herman Kumara, secretário-geral do WFFP.

As organizações pedem, desde 2024, que governos e líderes globais reconheçam as Diretrizes Voluntárias da FAO para a Pesca Artesanal, que orientam políticas públicas com base em direitos territoriais, equidade de gênero e sustentabilidade ecológica. O pedido, feito através do documento Apelo à Ação (lançado em 2024) reforça que a pesca artesanal é estratégica para a segurança alimentar e climática, e que a dignidade desses povos depende de energia limpa, infraestrutura comunitária e economia circular.

Pesca artesanal: a força social invisível do Brasil

A pesca artesanal responde por 90% dos empregos na pesca de captura e garante sustento a mais de 500 milhões de pessoas no mundo, segundo a FAO. Somente no Brasil, quase 2 milhões de pescadores estão registrados — metade mulheres. Ainda assim, 84% vivem com até R$ 1.045 por mês, e 47% dos estoques pesqueiros seguem sem diagnóstico, segundo a Oceana. Essas comunidades alimentam milhões de pessoas, protegem ecossistemas e mantêm modos de vida de baixo impacto ambiental, mas seguem invisibilizadas nas políticas públicas. 

A pesca foi assunto logo no começo da COP30, com a recente polêmica envolvendo o chef paraense Saulo Jennings, que se recusou a preparar um menu totalmente vegano para o Príncipe William. O caso expôs uma tensão simbólica entre visões distintas de sustentabilidade e revelou como certas agendas ambientais globais, mesmo quando bem-intencionadas, acabam excluindo os pescadores da narrativa da conservação — reforçando a ideia de que proteger a natureza significa afastar dela quem vive e cuida do mar há gerações. 

Acumulação Energética: a disputa pelo espaço marinho

A costa brasileira enfrenta uma sobreposição de projetos energéticos e de infraestrutura sobre territórios tradicionais. Na Foz do Amazonas, o Ibama autorizou, em outubro de 2025, a Petrobras a perfurar o Bloco FZA-M-59, a 175 km da costa do Amapá, decisão tomada às vésperas da COP30, vista como contradição à política climática do governo.

Enquanto isso, projetos de eólicas offshore avançam com baixa transparência e sem consulta prévia sobre as alcunhas de “Economia Azul” ou “Transição Energética Justa”. Para as comunidades, esses termos fazem mais sentido como “Acumulação Energética”, que representa nova fase de acumulação, com petróleo, gás e renováveis disputando o mesmo espaço sob as bandeiras “verde” e “azul”, se sobrepondo aos territórios de pescadores.

“Querem nos excluir em nome da economia azul e da transição energética, em nome de um futuro que nunca chega para nós. O que fica nos territórios são os conflitos e as mazelas. Não há transição justa sem os povos do mar e dos manguezais. Com essas ações, o maretório não terá futuro”, enfatiza Josana Pinto, da coordenação nacional do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP).

Um chamado à sociedade e aos governos

As organizações signatárias, entre elas CONFREM, MPP, Articulação Nacional das Pescadoras e redes ribeirinhas e costeiras, assim como CPP, pedem que o país ouça as comunidades que sustentam o mar. Elas defendem que os povos do mar não são obstáculos ao desenvolvimento, mas guardiões de uma economia viva baseada na sociobiodiversidade, na pesca artesanal e no turismo comunitário.

Durante a COP30 e a Marcha dos Povos por Justiça Climática, no dia 15 de novembro, a comitiva brasileira da pesca artesanal entregará oficialmente a Carta Aberta dos Povos do Mar e das Águas a autoridades nacionais e internacionais, exigindo que nenhum plano para o mar seja apresentado sem o reconhecimento e a regularização prévia dos territórios tradicionais de pesca. As demandas centrais incluem:

  • Reconhecimento legal dos direitos territoriais das comunidades pesqueiras;

  • Garantia de consulta livre, prévia, informada e de boa-fé, conforme assegura a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), antes de qualquer empreendimento ou projeto de infraestrutura em territórios tradicionais, incluindo os de energia renovável;

  • Interrupção da expansão de projetos de petróleo, eólicas offshore, mineração e aquicultura industrial sem participação popular;

  • Apoio à governança comunitária, às práticas tradicionais e à soberania alimentar.

“O futuro dos oceanos não pode ser decidido em gabinetes. As comunidades precisam de respeito e reconhecimento sobre seus territórios. O futuro não está na aceitação de megaprojetos em prol da transição energética, mas no fortalecimento das formas próprias de viver e cuidar do mar”, afirma Henrique Kefalás, coordenador executivo do Instituto Linha D’Água.

À medida que a COP30 avança, cresce a dúvida sobre se as decisões oficiais enfrentarão os problemas que existem há décadas. A mensagem é simples: sem participação real, não há justiça climática ou transição justa.


Contatos para imprensa:

Leandro Piccolotto (11) 98457-5227 - Instituto Linha D’Água

Flavia Quirino (61) 98336-4399 – Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)

Henrique Cavalheiro (61) 98191-9369 – Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP)