
SPU/MG e CJU/MG: QUEREMOS RESPOSTAS!
A Comunidade Tradicional Pesqueira e Vazanteira de Canabrava, localizada nos municípios de Buritizeiro e Ibiaí, no Norte de Minas Gerais, assinou simbolicamente no dia 17/10/2025, o contrato de outorga do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) expedido pela Superintendência do Patrimônio da União em Minas Gerais (SPU/MG), documento aguardado há anos como forma de garantir segurança jurídica ao seu território. Trata-se de um grande avanço na luta pela regularização fundiária, uma vez que estamos diante da segunda emissão de TAUS em Minas Gerais, sendo que a primeira ocorreu há quase 12 anos, em favor da Comunidade Quilombola Pesqueira e Vazanteira de Caraíbas, situada em Pedras de Maria da Cruz.
Apesar de felizes, a comunidade foi surpreendida com o pequeno tamanho da área concedida através deste instrumento muito esperançado.
Entendimentos da Consultoria Jurídica da União em Minas Gerais (CJU)
Tudo começou no dia 18 de agosto, ocasião do adiamento da cerimônia de assinatura do TAUS, na qual, apesar de decisões judiciais anteriores e de um processo ativo na 3ª Vara Federal de Montes Claros (MG), a SPU/MG alegou que o TAUS só poderia ser concedido para quem “ocupa de fato” o território, ignorando o deslocamento forçado da comunidade e a impossibilidade de permanência plena por conta das ameaças e violências históricas inclusive com arma de fogo.
A decisão foi tomada após parecer da Consultoria Jurídica da União em Minas Gerais (CJU/MG) desconsiderando a expropriação territorial, o histórico de violência, expulsões e vulnerabilidade da comunidade, que desde 2005 resiste às margens do rio São Francisco. O argumento principal da Consultoria Jurídica é que outorgar a TAUS em área maior (Ibiaí) ou na outra margem do Rio (Buritizeiro) aumentaria o conflito.
A comunidade argumentou, em visita in loco da SPU que ocorreu no dia 19 de agosto, que não é possível fugir do conflito, que de todo o modo, mesmo com o TAUS somente em Ibiaí, a Comunidade precisaria de proteção institucional. É importante salientar que os fazendeiros conflitantes também não exercem posse da área da comunidade, e destacar também que os fazendeiros conflitantes não exercem posse na área da comunidade - são latifundiários que vivem nas grandes capitais.
Área insuficiente e não sustentável. E o nosso território tradicional?
O parecer da CJU/MG forçou a SPU/MG a retificar a área de TAUS destinada a comunidade: inicialmente seria de 1.657,8 hectares, e foi diminuída para apenas 675.505,07 m² - que equivale à cerca de 67,55 hectares. Houve uma diminuição de aproximadamente 95,8% da área originalmente prevista.
A SPU informou a comunidade que a outorga do TAUS seria em poligonais de área menor até que faça novos estudos para saber detalhadamente das sobreposições dessa área maior. Ocorre que a Comunidade de Canabrava possui atualmente 35 famílias. Se pensarmos em sustentabilidade, a área outorgada é insuficiente.
É importante reforçar que a SPU nacional (Brasília/DF) já publicou uma Portaria de Interesse Público e Social e gravou a área, alegando que toda a área da União pleiteada pela Comunidade seja destinada a ela (PDISP). Ou seja, a luta pela totalidade do território de Canabrava não vai parar aqui.
Indignação diante da morosidade e dos interesses do capital
Para o CPP, regional MG e ES, e para a CPT de Minas Gerais, é um absurdo a morosidade no atendimento aos pedidos de TAUS, de forma geral, e determinados entendimentos da Consultoria Jurídica da União (vinculada à Consultoria-Geral da União que, por sua vez, é vinculada à Advocacia-Geral da União, o “jurídico” da SPU), que impõem sérios obstáculos à concessão do TAUS pelas comunidades tradicionais do Rio São Francisco em Minas Gerais de forma geral.
Em reuniões anteriores com as duas entidades, a Superintendente da SPU em Minas Gerais afirmou que, se a comunidade solicitante do TAUS estiver em conflito (com ação de reintegração de posse), a concessão não seria feita até a situação judicial se “resolver”. Agora, estamos diante de um parecer que faz parte do procedimento administrativo de Canabrava em que a CJU afirma que o TAUS só pode ser concedido em áreas com ocupação comprovada pela comunidade. É uma espécie de “marco temporal”, pois exige que a comunidade esteja, no momento do pedido, em posse da área para obter o TAUS (ignora que muitas não estão na posse de determinadas áreas porque foram esbulhadas).
Essas questões afetam todas as comunidades tradicionais que habitam as margens do Rio São Francisco, e esse é o cerne do problema. Ao que tudo indica, ainda levará muitos anos para que se alcance a concessão mais ampla de um instrumento que, por sua própria natureza, é transitório e precário (o TAUS), caso se mantenham as atuais exigências e o ritmo de apreciação dos pedidos.
A demarcação e destinação dessas terras é o sonho e esperança dessas Comunidades Tradicionais, mas esse sonho ainda parece distante.
Uma história de luta invisibilizada
Desde meados dos anos 2000, a Comunidade de Canabrava, localizada às margens do rio São Francisco, enfrenta uma trajetória marcada por perseguições, criminalização e violência. Organizada coletivamente para reivindicar o direito ao território tradicional, a comunidade viu seu modo de vida ser ameaçado por grileiros, fazendeiros e grandes empreendimentos. Em 2017, mesmo com decisão judicial favorável à permanência no território, sofreu um despejo violento e ilegal que resultou na destruição de casas e pertences, além de ameaças constante de milícias armadas e criminalização de lideranças e agentes pastorais. Desde então, as famílias vivem sob constante insegurança, sofrendo pressões para abandonar a área.
Apesar da mobilização constante e de diversas denúncias públicas, inclusive em instâncias internacionais, a situação permanece crítica. Em 2023, a comunidade enfrentou nova tentativa de despejo, suspensa após forte articulação. No início de 2025, mais um episódio de violência ocorreu com a invasão do território por gado, que destruiu plantações e a sede comunitária. A negativa repetida da emissão do TAUS por parte do Estado agrava ainda mais o cenário. Mesmo diante de tantas violações, a comunidade segue resistindo com coragem, reafirmando seu vínculo com o território e o direito de viver do rio e da terra.
Em 6 de maio de 2025, a Comunidade realizou a ocupação da sede da Superintendência do Patrimônio da União (SPU) em MG para exigir a emissão imediata do TAUS. A ação, articulada com o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP), comunidades quilombolas e vazanteiras da região, sindicatos, do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP/MG-ES), e organizações de direitos humanos, foi uma resposta ao longo histórico de omissão do Estado e violência contra os povos das águas. Com três gerações presentes na ocupação, a comunidade reafirmou seu direito ao território tradicional e cobrou providências concretas frente às recorrentes ameaças, despejos e tentativas de expulsão que enfrentam há quase duas décadas.
Após a ocupação, a Comunidade permaneceu em Belo Horizonte e participou de uma reunião pública articulada junto à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de MG. Como resultado da mobilização, a SPU/MG assumiu publicamente o compromisso de publicar até 31 de maio o relatório final de demarcação das áreas da União no Norte de Minas e, em seguida, processar e outorgar o TAUS para Canabrava.
A demarcação foi publicada somente no dia 24 de junho de 2025, e a TAUS, prevista para o dia 19 de agosto, saiu somente em 17 de outubro com uma área significativamente menor.
Indignação e resistência: comunidade cobra resposta do Estado após novo adiamento do TAUS
Esperança frustrada:
A pescadora, vazanteira e benzedeira Maria Neuza Araújo Pereira, da Comunidade de Canabrava, expressou sua profunda indignação diante do novo adiamento da entrega do TAUS. “Já tem muitos anos que a gente está na espera, muda tamanho daqui, diminui dacolá, e a gente só na espera...”
TAUS: instrumento de justiça travado por burocracias e pressões políticas
O TAUS é o principal instrumento que pode assegurar o direito à permanência e à reprodução do modo de vida tradicional de Canabrava. No entanto, mesmo com todos os elementos favoráveis e com apoio de diversos órgãos, como o Ministério Público Federal, o parecer jurídico atual da União em MG se mostra, pelo que parece, alinhado com interesses do latifúndio e grandes empreendimentos, travando o processo reiteradamente.
Vendas das áreas da União
Enquanto a SPU adia indefinidamente a regularização fundiária da Comunidade de Canabrava, áreas públicas sigam sendo negociadas com o capital privado. A morosidade do Estado em garantir o direito das famílias contrasta com a celeridade das transações econômicas: parte do território reivindicado pela comunidade, pertencente à União, foi vendido por mais de R$ 12 milhões, segundo as agentes de pastoral. A última parcela dessa negociação foi quitada no dia 25 de maio, aprofundando ainda mais a situação de injustiça e vulnerabilidade vivida pelas famílias pesqueiras e vazanteiras.
Enquanto a SPU adia indefinidamente a regularização fundiária da Comunidade de Canabrava, latifundiários, de forma ilegal, seguem vendendo áreas públicas com o capital privado. A morosidade do Estado em garantir o direito das famílias contrasta com a celeridade das transações econômicas: parte do território reivindicado pela comunidade, pertencente à União, foi vendido por mais de R$ 12 milhões, segundo informações locais cartoriais. A última parcela dessa negociação foi quitada no dia 25 de maio, aprofundando ainda mais a situação de injustiça e vulnerabilidade vivida pelas famílias pesqueiras e vazanteiras.
Assinam:
Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras – Regional Minas Gerais e Espirito Santo
Comissão Pastoral da Terra – Minas Gerais
Articulação do Cerrado / CPT Nacional