Projeto ameaça territórios pesqueiros, favorece o neoextrativismo e inclui "jabutis fósseis" que contradizem a transição energética sustentável
Texto: Henrique Cavalheiro - Comunicação do CPP | Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
“Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.” (Darcy Ribeiro)
A Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado aprovou nesta terça-feira (10) o Projeto de Lei 576/2021, conhecido como o PL das Eólicas no Mar, que cria um marco regulatório para a exploração de energia offshore (em alto mar). O projeto, que agora segue para votação no Plenário, inclui dispositivos que privilegiam o setor de carvão mineral e gás natural – uma contradição em uma proposta voltada para energia limpa. Além disso, o texto foi aprovado sem que houvesse um processo de escuta adequado. Enquanto setores como o do carvão e grandes consumidores foram consultados, as comunidades pesqueiras, diretamente impactadas pelos empreendimentos, não tiveram sua voz ouvida.
O Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) se posiciona firmemente contra o PL, denunciando que ele foi aprovado sem participação popular e com a inclusão de "jabutis fósseis" – emendas que ampliam incentivos para termelétricas a carvão e gás natural, setores conhecidos por seus impactos ambientais e altos índices de emissão de gases de efeito estufa.
Mesmo em separado, os "jabutis fósseis" que favorecem o carvão e o gás natural foram aprovados por uma votação expressiva, com 14 votos contra apenas 3 favoráveis à sua exclusão. A influência do lobby desses setores ficou clara durante a sessão da CI. Pessoas presentes acompanharam a votação com celulares em mãos e expressões de vitória, celebrando mais um avanço em direção ao lucro, mesmo que às custas do meio ambiente e das comunidades afetadas.O senador Otto Alencar (PSD-BA) criticou duramente a inclusão do carvão em uma lei voltada à energia limpa.
Desrespeito às comunidades pesqueiras e ao meio ambiente
O PL 576/2021 reflete o modelo de neoextrativismo, que prioriza a exploração intensiva de recursos naturais para fins econômicos, sem considerar os impactos socioambientais e os direitos das comunidades locais. As pescadoras e pescadores, principais afetados pela expansão desordenada de eólicas offshore, foram ignorados durante todo o processo de tramitação do projeto.
Além disso, o texto aprovado mantém incentivos para termelétricas, com subsídios que poderão custar R$ 658 bilhões ao consumidor brasileiro ao longo de 27 anos. O senador Otto Alencar (PSD-BA), que tentou retirar o trecho referente ao carvão, criticou duramente o impacto econômico e ambiental da proposta. “Estamos falando de energia poluidora, produtora de gás de efeito estufa, que ainda por cima aumentará a tarifa para os consumidores”, afirmou.
Desrespeito à militância e às notas técnicas
O CPP expressa profunda indignação com o fato de que até mesmo parlamentares progressistas ignoraram as notas técnicas e os apelos de movimentos sociais e organizações ambientais, ao aprovarem um projeto que ameaça os territórios pesqueiros e avança sobre áreas de preservação ambiental.
O senador Weverton (PDT-MA), relator do projeto, defendeu a inclusão das termelétricas no texto, afirmando que as usinas, concentradas na Região Sul, apresentam contrapartidas ambientais para reduzir sua agressividade ao meio ambiente. “Eu fui lá conhecer de perto. Antes de falar, vamos lá conhecer de perto o que é gerado de emprego, quais são as exigências ambientais que têm para funcionar”, argumentou, apesar das críticas ao impacto ambiental e econômico dos pescadores e pescadoras, ambientalistas e ativistas.
Seguimos na luta pela Casa Comum e pelos territórios pesqueiros
A aprovação do PL das Eólicas no Mar, na CI do Senado, expôs como os interesses econômicos dos lobbies do setor energético têm prevalecido sobre os direitos das comunidades tradicionais pesqueiras, a preservação da biodiversidade e a segurança climática. Para Andrea Rocha, secretária de Território e Meio Ambiente do CPP, a contradição do projeto é evidente. “É o PL contradição: propõe explorar uma fonte dita limpa e, ao mesmo tempo, fomenta a continuidade de fontes fósseis”, afirmou, destacando o descompasso entre o discurso ambiental e as práticas efetivas promovidas pelo texto aprovado.
Andrea também ressaltou que o resultado da votação na CI demonstrou o descaso com as comunidades tradicionais. “Os/as senadores/as da Comissão demonstraram que pescadores e pescadoras não têm voz e nem vez naquela casa. Diante dos impactos dos parques eólicos na terra e dos riscos potenciais das eólicas no mar, o que importa é o mercado da energia”. Apesar da derrota na votação, Andrea reafirmou a importância da resistência. “Hoje, no Dia Internacional dos Direitos Humanos, quero reafirmar que esse modelo de exploração viola os corpos dos homens e mulheres das águas, e precisamos continuar o processo de luta por territórios livres.”
A aprovação do PL das Eólicas no Mar na CI do Senado representa um retrocesso que ameaça a sustentabilidade ambiental e o modo de vida tradicional das comunidades pesqueiras. O CPP reafirma seu compromisso com a defesa da Casa Comum, da consulta prévia, livre e informada e da luta contra projetos que desconsideram os direitos das comunidades tradicionais e favorecem o lucro em detrimento do bem coletivo.
O texto segue agora para o Plenário do Senado, e tudo indica que já será votado na sessão da próxima quarta-feira (11). O CPP continuará mobilizado contra mais esse ataque aos territórios pesqueiros e à justiça climática.