Notícias

Audiência Pública discute os impactos e as consequências dos cinco anos do crime de derramamento de petróleo

O evento na Câmara dos Deputados, em Brasília, marca mais um capítulo na luta por justiça socioambiental, com forte mobilização das comunidades pesqueiras

10-09-2024
Fonte: 

Texto: Henrique Cavalheiro - assessoria de comunicação do CPP/Mar de Luta / Fotos: André Melo - Mar de Luta e Bruno Spada - Câmara dos Deputados

Nesta terça-feira (10), foi realizada no Plenário 12 da Câmara dos Deputados, às 13h, uma audiência pública sobre os cinco anos do crime de derramamento de petróleo que atingiu os litorais do Nordeste e do Sudeste em 2019. A audiência foi requerida pelos deputados Túlio Gadêlha (Rede-PE) e Carol Dartora (PT-PR), com subscrição dos deputados Dorinaldo Malafaia (PDT-AP) e Nilto Tatto (PT-SP).

O evento contou com a presença de lideranças de pescadores artesanais como Erivan Bezerra de Medeiros, do Movimento dos Pescadores do Brasil - MPP, e Joana Mousinho, da Articulação Nacional das Pescadoras - ANP, Izabel Cristina Chagas da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas, Povos e Comunidades Tradicionais Extrativistas Costeiras e Marinha - CONFREM Brasil, além de representantes do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), do IBAMA, Ministério da Justiça, Ministério da Pesca e Aquicultura e Universidade Federal da Bahia. A audiência, que também foi fruto das articulações da Campanha Mar de Luta, ressaltou a urgência de medidas de reparação e a necessidade de proteger os territórios pesqueiros frente às ameaças atuais.

Somos doutores da pesca e do meio Ambiente

A pescadora Joana Mousinho iniciou sua fala com um desabafo sobre a crueldade que os pescadores e pescadoras enfrentaram durante o derramamento de petróleo. "É muito difícil sentar aqui para falar do que passamos na época do derramamento. Quem enfrentou aquilo foram as mulheres, os homens e os adolescentes, tirando o óleo da praia e dos manguezais sem nenhum equipamento de proteção", afirmou, destacando as graves consequências físicas e psicológicas que persistem até hoje nas comunidades.

Com emoção e determinação, Joana relembrou a luta diária dos pescadores para sustentar suas famílias e os impactos devastadores do crime nas espécies marinhas e no meio ambiente. "Nós dizemos não para novas perfurações de poços de petróleo. O que vem para nós, trabalhadores da pesca, é só desgraça, derrota. Queremos água limpa, um ambiente limpo", enfatizou. Ela também fez um forte apelo em defesa do PL 131/2020, que busca proteger os territórios pesqueiros e garantir o sustento das comunidades: "Nós somos doutores do meio ambiente", declarou, com orgulho de sua identidade como pescadora artesanal.

A marca na pele

Cinco anos após o crime do petróleo, as dificuldades enfrentadas pelos pescadores continuam, como destacou Erivan Bezerra de Medeiros, da comunidade Praia de Cotovelo, no Rio Grande do Norte. "Nós estamos aqui hoje, não é para querer cartilha, nós estamos querendo uma resposta. São 5 anos e nenhum de nós foi ressarcido", desabafou. Ele também ressaltou que os impactos do crime persistem, com o petróleo ainda acumulado nas áreas afetadas.

Erivan denunciou o descaso com as comunidades pesqueiras, que continuam sofrendo com problemas ambientais e de saúde, agravados pela falta de apoio governamental. “Não é dinheiro que compra a vida de ninguém, mas ameniza algumas situações”, afirmou, referindo-se à falta de reparação e à frustração dos pescadores que não receberam o auxílio. Ele também relatou sua própria experiência com uma queimadura causada pelo óleo, "Eu tenho uma queimadura aqui, porque eu fui na pedra tirar, pegar um bolo desse óleo e caiu um pingo quente na minha perna e no meu pé e queimou [...] já passei por oito dermatologistas, mas até hoje ela está andando na pele do pé", concluiu o pescador.

Estamos aqui para exigir reparação

Representando a Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas, Povos e Comunidades Tradicionais Extrativistas Costeiras e Marinha - CONFREM Brasil, a pescadora Izabel Cristina Chagas, da comunidade de Barra de Camaragibe, Alagoas, trouxe um pedido contundente em nome das mulheres afetadas pelo crime do petróleo. "Estamos aqui, não para pedir um auxílio, mas para exigir reparação por tudo que nos foi causado," afirmou, enfatizando os impactos duradouros do crime, como as queimaduras e contaminações que ainda afetam muitas mulheres.

Ela também relembrou o papel que as mulheres desempenharam na retirada do petróleo das praias, muitas vezes sem a proteção adequada. "O representante do IBAMA mostrou as praias contaminadas, mas quem estava lá tirando o petróleo éramos nós, mulheres, crianças, pessoas da comunidade, sem saber com o que estávamos lidando", declarou.

A pescadora apontou a necessidade urgente de medidas de prevenção para evitar novos desastres, como barreiras de contenção e equipamentos de proteção individual. Ela enfatizou que as comunidades dependem do território pesqueiro para sua subsistência, ressaltando a importância de defender esse espaço vital. "É lá que tiramos nosso sustento, é de onde vem o alimento que colocamos em nossas mesas", disse.

O crime que continua

O crime do petróleo ainda não acabou, e a situação continua crítica em São Sebastião, litoral paulista. O pescador Humberto Almeida fez uma grave denúncia, "Desde a década de 1970, enfrentamos derramamentos constantes, e agora, com a entrada na etapa 4 do pré-sal, a nossa comunidade, a do Araçá, ainda não recebeu as devidas compensações ou mitigação", ressaltou. Ele enfatizou que, apesar dos esforços para limpar e mitigar os impactos, materiais tóxicos permanecem no solo, contaminando mariscos e afetando a saúde dos moradores.

A especulação imobiliária também representa uma ameaça crescente, com tentativas de deslocar a comunidade que luta para proteger o mangue e manter sua forma de vida. "É mais fácil remover nós, que cuidamos do local, do que enfrentar o verdadeiro problema", afirmou. Ele pediu uma intervenção mais eficaz dos órgãos públicos e destacou a necessidade de uma atenção real às questões que os moradores enfrentam diariamente, que muitas vezes são ignoradas ou minimizadas pelas autoridades.

Esquecimento, negação e invisibilidade

Andrea Rocha, do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), trouxe à tona uma dura cobrança sobre o atraso na resposta ao crime do petróleo. "São cinco anos do crime do petróleo e, inacreditavelmente, ainda não temos uma resposta efetiva ou perspectiva de reparação para os povos atingidos. O maior desastre ambiental da nossa história continua sem uma solução concreta", afirmou com indignação.

Ela destacou a importância de se lidar com o racismo ambiental que afeta as comunidades tradicionais pesqueiras e criticou a falta de ação efetiva das autoridades. "Estamos aqui exigindo não apenas promessas, mas efetiva ação. O que temos visto é esquecimento, negação e invisibilidade. O governo precisa criar um grupo de trabalho para a recuperação dos territórios e das espécies, e precisamos de respostas das CPIs que foram encerradas sem resultados", cobrou.

Além disso, Andrea denunciou a falta de apoio e reconhecimento adequado para os pescadores artesanais, ressaltando a necessidade urgente de reparação coletiva integral. "Não queremos apenas compensações financeiras, mas uma reparação que reconheça o impacto completo no território e no modo de vida das comunidades. Exigimos que os responsáveis pelo crime sejam identificados e punidos", concluiu, enfatizando a importância de ações concretas e a aprovação do PL 131/2020 para proteger os territórios pesqueiros e enfrentar as mudanças climáticas.

O crime do petróleo é emergência em saúde pública

O desastre ambiental em questão, como o professor Paulo Pena, da UFBA, destacou que o desastre não deve ser visto apenas como uma emergência ambiental, mas também como uma "emergência em saúde pública". Ele ressaltou que o Nordeste sofreu graves impactos, pois "o petróleo, óleo cru, contaminou locais de trabalho de pescadores e marisqueiras", afetando especialmente mulheres, gestantes, crianças e adolescentes. O contato com mariscos e peixes contaminados levou à contaminação ambiental e doméstica, e, segundo Pena, "os riscos toxicológicos desse óleo bruto são graves", incluindo a exposição a hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e benzeno, um conhecido carcinógeno.

Além disso, Paulo Pena mencionou que, enquanto "trabalhadores da indústria do petróleo têm seus prontuários médicos guardados por 30 anos", no caso dos pescadores e marisqueiros, "não há acompanhamento adequado". Ele fez um apelo para que o Ministério da Saúde implemente uma vigilância efetiva, com exames periódicos, e para que sejam realizados estudos sobre a presença de contaminantes ambientais nas áreas pesqueiras afetadas. "A reparação coletiva é necessária" para compensar os danos sofridos, considerando a omissão do governo anterior e a violação dos direitos humanos dos pescadores e marisqueiros.

Para fechar, o deputado Túlio Gadelho agradeceu aos colegas parlamentares que estiveram presentes e destacou a importância de refletir sobre crimes ambientais e sobre a transição energética e as contradições no governo. Ele afirmou que "é crucial aprofundar o debate sobre o cuidado com as pessoas que vivem do meio ambiente, garantindo que possam se desenvolver de maneira digna, com os devidos reparos e indenizações". Túlio criticou a persistência em investir em combustíveis fósseis, observando que, enquanto o mundo está fechando usinas hidrelétricas e nucleares e abolindo combustíveis fósseis, "não faz sentido que continuemos a investir nesse modal de combustível".

Ele reforçou a importância de se unir na luta pela conscientização e organização política dos pescadores e pescadoras, afirmando que "esse Parlamento seria diferente se tivéssemos mulheres guerreiras com mandato aqui, representando os pescadores". Enquanto esse tempo não chega, ele incentivou a continuidade da luta.

Para concluir, os pescadores entregaram aos membros do governo, do Judiciário e aos parlamentares o Manifesto Mar de Luta - 5 Anos do Crime do Petróleo. Lançado durante a audiência, este documento renova as pautas de reivindicações dos pescadores e pescadoras artesanais impactados pelo crime do petróleo, bem como por outras ameaças aos territórios pesqueiros. O manifesto reforça a necessidade de reparações e ações efetivas para proteger e garantir os direitos das comunidades afetadas, marcando um importante passo na luta contínua por justiça e preservação dos seus modos de vida.

CLIQUE AQUI e leia o manifesto na íntegra

Assista a Audiência Pública na íntegra e com as falas dos membros do Governo e do Judiciário: 

Linha de ação: