Agenda do G20 discute transição energética, o que pode impactar diretamente nas comunidades pesqueiras
Assessoria de Comunicação do CPP
Agentes de pastoral e pescadores e pescadoras artesanais estiveram reunidos na tarde de terça-feira (30) para debaterem e entenderem o funcionamento do Grupo dos 20 (G20) e sua relação com a economia e a política global. A “Plenária das Águas rumo à Cúpula dos Povos Frente ao G20” trouxe informações sobre a proposta da realização da Cúpula dos Povos e discutiu a participação das comunidades tradicionais pesqueiras no debate. O evento foi uma iniciativa do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) e contou com a assessoria da agente de pastoral do CPP CE/PI, Ormezita Barbosa (CPP), e de Sandra Quintela, economista e educadora popular da Rede Jubileu Sul Brasil.
Programada para acontecer entre os dias 16 a 18 de novembro de 2024, no Rio de Janeiro (RJ), a Cúpula dos Povos é um evento que acontece de forma paralela ao G20, com a participação de movimentos sociais e organizações da sociedade civil para debaterem e proporem soluções para os desafios globais, focando na justiça social, ambiental e econômica. Já a reunião do G20 acontecerá também na cidade do Rio de Janeiro, entre os dias 18 e 19 de novembro, reunindo chefes de estado das 20 principais economias do mundo para discutir políticas financeiras e econômicas.
Devido aos impactos que as decisões desse fórum podem gerar nas comunidades pesqueiras, essa agenda política sobre os rumos da economia mundial entrou nos debates dos pescadores e pescadoras artesanais. Sandra Quintela iniciou a sua fala fazendo duas perguntas provocativas: O que o G20 tem a ver conosco? E na atual etapa do capitalismo global tem lugar a luta de classes? “Vivemos num mundo totalmente controlado pelo capital financeiro. Há a hegemonia de um pequeno grupo que controla todo um grande grupo. Esse grupo adoraria eliminar a classe trabalhadora e a natureza. Então o que eles fazem? Eles precarizam o trabalho, colocando os trabalhadores para trabalharem num regime de 6 x1, não tendo descanso e destroem as garantias dos povos originários e dos povos tradicionais das terras de das águas”, reflete.
Para a economista, o G20 é um espelho da atual era do capital financeiro, porque reúne as principais economias do mundo para realizarem os alinhamentos para que o capital financeiro não perca o seu poder. “A gente vive essa hegemonia, esse controle dessa agenda de retirada de direitos, direitos da natureza, dos territórios, dos povos, os direitos da classe trabalhadora, que vive de salário. Então o G20 tem também essa agenda de retirada de direitos”, critica Quintela.
A corrida em busca de matéria prima presente na atual economia mundial também é objeto do G20. “O Brasil nasceu exportando matéria-prima: pau-brasil, ouro..., mas hoje a escala e a velocidade pela busca de matérias-primas são muito maiores, o que deu uma cara muito forte de destruição dos territórios”, reflete a economista. Essa situação impacta diretamente na vida das comunidades pesqueiras e nas ameaças aos seus territórios.
Quintela aponta também o papel fundamental que o G20 realiza dentro da transição energética, que têm impactado diretamente no modo de vida dos pescadores e pescadoras artesanais, como na expansão da exploração da energia eólica offshore (usinas eólicas instaladas no mar) e alerta para o processo de mercantilização da agenda das mudanças climáticas. Ela cita como exemplo o mercado de carbono e a transformação da água em mercadoria, que já é comercializada na bolsa de valores. “A defesa do território pesqueiro é o enfrentamento à esse campo de vanguarda do capitalismo mundial”, defende Quintela fazendo referência ao campo da produção de energias ditas como renováveis, mas que têm gerado vários conflitos nas comunidades pesqueiras, como a energia solar, as usinas eólicas, a biomassa, entre outros campos de produção.
Importância da Cúpula dos Povos
Ormezita Barbosa também demonstrou preocupação com a agenda de debates do G20. A partir da leitura técnica das notas conceituais emitidas pelo Grupo dos 20, ela fez o debate sobre o que a reunião pode provocar nos povos das águas. “Ao olhar no site do G20, vi notas conceituais que são notas que vão embasar as discussões e eles dividiram por eixos temáticos que têm muito a ver com as lutas que a gente trava. Existe uma nota técnica que trata de bioeconomia, existe uma nota técnica que trata de desenvolvimento sustentável, existe uma nota técnica que trata de trabalho e emprego e empoderamento das mulheres, sobre mudanças climáticas...”.
Para Barbosa, é importante observar que nesses documentos oficiais, há a invisibilidade das lutas que existem hoje nos territórios em função desse discurso de transição justa, sem, no entanto, mensurar os impactos presentes hoje nessas comunidades. “É um fórum que articula forças da economia mundial e isso acaba sendo um espaço de reuniões bilaterais muito estratégico e importante. Chamou a atenção essa perspectiva de ofensiva contra os territórios, essa ofensiva contra os bens comuns, essa ofensiva mascarada desse desenvolvimento ‘sustentável, verde, limpo e justo’, quando na verdade a gente tem sentido na pele e tem identificado muitas violações aí nos territórios”, critica.
Por isso, Ormezita reforça a importância da articulação de espaços autônomos para fazer o debate de temas que são mais sensíveis e importantes para as comunidades, como o que é proposto pela Cúpula dos Povos. “Como a gente pode apostar nesses espaços autônomos da sociedade civil para construir posicionamentos muito firmes e dar visibilidade aos processos de luta e resistência, que já estão acontecendo nos territórios?”, indagou.
O espaço construído pelos próprios movimentos sociais ganha força em contraposição à Cúpula Social do G20, que está sendo chamada pelo governo brasileiro e que acontecerá entre os dias 14 a 16 de novembro. Como atualmente a presidência rotativa do G20 está sob o comando do Brasil, o governo Lula tenta pautar discussões sociais na agenda do fórum, tanto na chamada da Cúpula Social, quanto na escolha dos três tópicos centrais do encontro que serão: Inclusão social e combate à fome e à pobreza; Promoção do desenvolvimento sustentável, considerando-se seus 3 pilares: social, econômico e ambiental; e Reforma das instituições da governança global.
A Cúpula Social convocada e proposta pelo governo, no entanto, gera desconfiança nos movimentos sociais. “A sensação que a gente tem é que essa agenda social que o governo está tocando, ela não toca nas questões mais sensíveis que estão impactando a vida das pessoas e do povo”, reflete Ormezita. “Para nós tem o desafio para pensar ações locais e pulverizadas para a gente conseguir a partir da realidade de cada comunidade, ir demonstrar um pouco como que as comunidades vêm enfrentando e vêm fazendo essa discussão. A gente precisa trazer esse debate mais para a realidade, porque há a sensação de que é uma coisa muito distante. Mas quando a gente pensa o processo de formação, a gente consegue trazer isso para a realidade das pessoas”, finaliza Ormezita.
Sobre o G20
O G20, ou Grupo dos 20, é um fórum de cooperação econômica internacional criado em 1999 em resposta às crises econômicas da década de 1990. O grupo tem como objetivo o fortalecimento da economia internacional.
Além do Brasil, o G20 é composto por África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia, além dos blocos União Africana e União Europeia. Juntas,as nações representam cerca de 85% do PIB mundial, 75% do comércio internacional e dois terços da população do planeta.