Seculo Diário
Por Fernanda Couzemenco
A perda do vínculo afetivo dos pescadores com o Rio Doce foi um dos aspectos que mais chamou atenção dos agentes do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) durante o Seminário sobre os Impactos do Crime da Samarco às Comunidades Pesqueiras, realizado nessa quinta-feira (22) em Povoação, Linhares (norte do Estado).
“O rio não é só um local de trabalho. Esse relato dos pescadores é muito profundo, porque afeta a economia e a saúde. Eles perderam um referencial de vida”, conta Ormezita Barbosa de Paula, secretária executiva do CPP.
O seminário reuniu pescadores de todas as localidades impactadas pelo crime da Samarco/Vale-BHP e ajudou a fortalecer cada um dos participantes na manutenção da luta e mostrar a necessidade de maior integração entre as comunidades.
“Todo mundo chorou. Foi como um choque, ver que é tudo igual, todos falando ao mesmo tempo e a mesma língua”, relata a pescadora Eliane Balke, membro da comissão criada durante o evento para dar continuidade aos trabalhos, com representantes de todas as comunidades afetadas e visitadas pela missão dos agentes pastorais. “Me fortaleceu a continuar na luta pelo reconhecimento dos territórios atingidos”, afirma a militante.
Com relação aos graves problemas de saúde relatados, estudos devem ser realizados pela Fundação Osvaldo Crua (Fiocruz), que teve um de seus médicos-pesquisadores presente no seminário, Carlos Minayo.
Nas esferas do Ministério Público e Justiça, o CPP pretende fortalecer os processos em curso e buscar maior aproximação da Quarta Câmara (Meio Ambiente) e da Sexta Câmara (Populações Tradicionais) do Ministério Público Federal, em Brasília.
Outra frente será aberta com os Ministérios da Agricultura e da Indústria e Comércio, que tratam da pauta dos pescadores no País, no sentido de providenciar uma atenção maior aos atingidos.
“Água também é um encaminhamento”, destaca Eliane, em virtude da precariedade de abastecimento por que passam as famílias. Sem dinheiro para comprar água mineral e sem qualquer assistência por parte da empresa e do Poder Público, muitas se veem obrigadas a consumir a água do próprio rio, mesmo sabendo dos riscos à saúde.
Comoção
Foi o relato da pescadora Eliane, durante um curso sobre saúde das pescadoras organizado pelo Ministério da Saúde em março, em Vitória, que acelerou a organização do seminário pelo CPP. Ao mostrar as feridas de pele causadas pelo contato com a lama contaminada, a pescadora sensibilizou os agentes pastorais a priorizar uma atividade com os atingidos pelo crime. “Foi uma comoção muito grande”, recorda Ormezita.
Comoção que se repetiu durante o seminário, com depoimentos emocionados, de homens e mulheres, sobre fome, sede, doenças, ociosidade, depressão e falta de perspectiva para o futuro. “Um pai contou que o filho de nove anos entrou em depressão depois que o rio foi contaminado, ficou adoecido, está se tratando”, cita a secretária executiva do CPP.
Objetivo é o êxodo
“Dá impressão de que a estratégia da empresa é essa, o êxodo do pescador. Pra que ele não lute por seus direitos, por seu território”, analisa Eliane. “A empresa não está fazendo nada. Aqui ela nunca apareceu. E onde ela aparece, só faz promessas, mas não garante nenhuma condição melhor pros pescadores”, denuncia a pescadora.
Ela compartilha outas histórias contadas no seminário, como a do pescador Humberto Bonomo, de Gameleira, em São Mateus, que não consegue comprar gás nem alimentos para a sua família. “Não dá nem pro leite das crianças”, contou o pescador. Outra pescadora da comunidade, Amarilda Justino, destacou, além das dificuldades financeiras, a incapacidade de tratamento das feridas na pele, que custa R$ 350,00 por mês. “Não tenho previsão de futuro, só tenho fé”, desabafou.
Os pescadores também enfatizaram que a contaminação está sendo “exportada” para a Grande Vitória e outras cidades. O camarão, por exemplo, continua sendo pescado na região e vendido sem qualquer fiscalização na Capital. “Os camarões são pegos no balão com as patinhas cobertas com a lama”, alerta Eliane.